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Legado de segurança aérea global após 15 anos do voo AF-447

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Faz 15 anos que, na manhã do primeiro dia de junho de 2009, o Brasil despertou com incertezas. Notícias sobre a possível perda de um grande avião comercial no Oceano Atlântico tinham se espalhado, embora as informações estivessem inconsistentes, desde o começo da madrugada. Após o raiar do dia, os fatos se tornaram mais concretos; seguidas das suspeitas, veio a validação.

Saindo do Rio de Janeiro e seguindo para Paris, um Airbus A330 da Air France (Voo AF-447) tinha registrado, naquele momento, a presença de 228 passageiros e realizou sua última comunicação vocal com o controle aéreo brasileiro às 22h33 do dia anterior.

No evento, o Centro de Administração de Área Atlântica - ACC-AO, situado no Terceiro Centro Unificado de Defesa Aérea e Gerenciamento de Tráfego Aéreo (CINDACTA III), em Recife (PE), foi notificado pelo aviador sobre a travessia do voo sobre o ponto fixo (posição virtual no espaço aéreo) INTOL, fronteira entre as Zonas de Informação de Voo de Recife e do Atlântico.

Às 22h49, o avião saiu do alcance dos radares do Brasil, direcionando-se para a Europa, com a previsão de passar pelo ponto fixo TASIL (um local geográfico), que assinala a transição da responsabilidade do controle aéreo do Brasil para o do Senegal, última divisa de nosso espaço aéreo sobre o oceano, às 23h20.

A expectativa inicial, no entanto, nunca foi concretizada. De acordo com pesquisas subsequentes, em face de circunstâncias climáticas adversas, uma série de incidentes não convencionais afetaria tanto a aeronave quanto os pilotos.

Falhas no tubo de Pitot, que resultariam em dados de voo imprecisos, até a leitura dessas informações pelos pilotos na tomada de decisões, fariam com que o avião perdesse altitude, caindo abruptamente de sua altura de dez mil metros. Mesmo mantendo a pressão na cabine, a aeronave acabaria se chocando contra o oceano às 23h14, resultando na morte de todos os ocupantes, incluindo a tripulação e os passageiros.

Durante os 26 dias que se seguiram, o país acompanharia pela televisão os esforços da Aeronáutica e da Marinha brasileiras, junto com outras entidades, no que em breve seria classificado como a mais extensa operação de busca e resgate sub judice do país.

Sob a supervisão do Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA), a entidade encarregada da Busca e Resgate no espaço aéreo brasileiro, a missão destinou grupos de trabalho 24 horas por dia para encontrar vestígios do avião, seus ocupantes e coletar dados que ajudassem tanto no resgate como na averiguação do acidente, em uma zona de oceano profundo a 1400 km da costa do Brasil.

A procura se estendeu por semanas em uma região de cerca de 60.000 km², que é maior que o território do Rio de Janeiro, determinada por vários elementos, como a posição final registrada do avião, as possíveis rotas de desvio e as habilidades dos equipamentos disponíveis. Operações distintas ocorriam em variadas locações no Brasil: Recife se destacava como o coração da operação; Natal servia como ponto de partida e retorno para a maior parte das aeronaves de procura; Fernando de Noronha, atuava como a base para os helicópteros.

No Rio de Janeiro, onde está localizada a base do DECEA, se estabeleceu o escritório para gerenciamento da crise, enquanto Brasília ficou responsável por abrigar a organização voltada para a apuração do incidente.

Aviões tais quais o Hércules C130, o Bandeirantes Patrulha P95, o Amazonas SC 105, o Black Hawk H 60, o Super Puma H34 e outros, provenientes de esquadrões de várias áreas da nação, partiam de cidades principais do Nordeste para realizar sobrevoos em uma área marítima que tem estado cada vez mais preenchida por fragatas, corvetas e navios de patrulha da Marinha.

Ações foram iniciadas com o auxílio de suporte operacional das Forças Militares de nações estrangeiras, como a França (fornecendo fragatas, navios comerciais e aviões de resgate), os Estados Unidos (aviões de patrulha) e os Países Baixos (navios comerciais).

Após a recuperação de 51 corpos de viajantes e a coleta de alguns vestígios, dias ocorreram sem a identificação de qualquer tipo de alvo. No final de 26 de Junho, a operação SAR foi posta em suspensão - uma expressão preferível à “terminada”, usada quando todas as vítimas são encontradas. No entanto, nos próximos anos, o DECEA continuaria a colaborar com o Bureau d’Enquêtes et d’Analyses (BEA) da França, a autoridade encarregada da investigação do desastre.

O estágio inicial da pesquisa se concentrou em resgatar os regitradores de voo, também denominados “caixas-pretas”. Foi um trabalho desafiador devido à localização isolada do incidente, em uma região de mar aberto com profundidades que chegam a 4.000 metros.

Avançadas tecnologias e missões submarinas executadas por organizações da França, que incluíram o uso de veículos subaquáticos autônomos e sonares de varredura lateral, foram utilizadas nos esforços de busca. Quase dois anos depois, em abril de 2011, as caixas-pretas foram finalmente recuperadas. Seguido da recuperação, a BEA conduziu a análise dos dados registrados tanto pelo Cockpit Voice Recorder (CVR) quanto pelo Flight Data Recorder (FDR). Esses aparelhos disponibilizaram informações detalhadas sobre os momentos finais do voo, abrangendo diálogos na cabine, dados de performance do avião e registros dos sistemas de voo.

A avaliação identificou que o desastre foi resultante de uma série de elementos, entre eles erros nos tubos de Pitot (que originaram em leituras de velocidade equívocas) e uma reação deficitária da equipe em face às circunstâncias desfavoráveis. A aeronave se colocou em um estado de estol (ocasionando a perda de sustentação), do qual não foi capaz de retomar.

No mês de julho de 2012, o relatório conclusivo da investigação foi publicado pela BEA, momento no qual o documento especificou as razões e elementos contribuintes do desastre, propondo sugestões de segurança para evitar incidentes parecidos no futuro. As conclusões chave sublinharam a exigência de aprimoramentos nos sistemas de determinação de velocidade, métodos de instrução da equipe e procedimentos de reação a crises.

Durante a totalidade da pesquisa, a assistência global foi crucial. A comunicação constante entre o DECEA e a BEA, além de outras organizações envolvidas, foi assegurada, proporcionando informações pertinentes e auxílio técnico. Essa parceria foi vital para assegurar um exame completo e exato, gerando avanços notáveis para a proteção da aviação em escala mundial.

Seguindo os resultados do inquérito, a BEA juntamente com outras instituições aeronáuticas, se empenharam em aplicar as sugestões de segurança. Sugestões essas que, após quinze anos, seguem impactando os procedimentos e diretrizes do setor aéreo.

O lamentável incidente com o voo AF447 agiu como um momento decisivo para a aviação em todo o mundo. A partir dessa ocorrência, órgãos internacionais de aviação, tais como o DECEA, começaram a implementar uma gama de melhorias. As mais notáveis incluem:

Melhoria dos sistemas de rastreio e comunicação.

Avanços tecnológicos foram implementados para assegurar a monitorização ininterrupta e atualizada de aviões, diminuindo drasticamente a chance de perder a comunicação com os voos. Incluindo nestes, o Sistema Internacional de Rastreio de Emergência e Segurança em Aviação (SIGESA – Sistema Internacional de Gestão de Emergências e Segurança em Aviação), que requer o monitoramento de aeronaves a cada quinze minutos em voo comum e a cada sessenta segundos em situações de emergência.

Distribuição de informações e detalhes de dados.

Desde essa época, observou-se um crescimento expressivo na troca de dados e detalhes entre nações, empresas de voos, fabricantes de aviões e organizações que fornecem serviços de navegação aérea. Esta troca inclui uma gama de dados, como registos de voo, detalhes climáticos e históricos de manutenção de aviões. Um projeto proeminente é a sugestão de formação do Repositório de Localização de Aviões em Caso de Emergência (LADR), que tem como objetivo tornar mais fácil e eficiente o acesso a essas informações aos participantes interessados.

Revisão e modernização de normas regulatórias.

A ICAO junto com outras entidades internacionais divulgaram novos protocolos e sugestões, que foram acolhidos por agências de aviação civil de diversas nações. A atualização das regras de segurança da aviação resultou na inclusão de novos padrões e práticas sugeridas, o que englobou exigências para o monitoramento constante de aeronaves e o aperfeiçoamento dos equipamentos de comunicação e localização em situações de emergência.

Associações globais.

Seguindo o incidente, a colaboração global na indústria da aviação teve um fortalecimento notável. Foram estabelecidas normas de segurança inéditas e processos operacionais, abordando problemas determinados ao longo da análise do incidente. A ICAO teve um papel crucial na coordenação de iniciativas internacionais para melhorar os níveis de segurança e as práticas na área de busca e resgate. Os protocolos e sugestões para as operações de busca e salvamento foram revisados e refinados, assegurando uma reação mais imediata e eficiente em caso de incidentes futuros.

Educação e aprimoramento profissional

Os programas de capacitação para times de busca e resgate foram intensificados. Treinamentos e práticas coletivas foram conduzidos para melhorar a coordenação de missões de resgate interativas de vários países. É notável a continuidade das edições da Operação Carranca, um exercício operacional conjunto de busca e salvamento que, a partir de 2009, tem auxiliado no aprimoramento das habilidades SAR através de simulações de grandes operações.

A finalidade do treinamento é preparar especialistas para melhor atender a tripulação e passageiros de embarcações e aeronaves com mais competência e know-how, comprometidos em preservar vidas e agregar à sociedade com novas alternativas em resgate e recuperação. A contribuição destacada veio da Petrobras, do Grupo de Suporte à Força Aérea (GAFAB), da Marinha Brasileira, da Gerência Operacional e de profissionais de saúde na Unidade de Atendimento Pré-Hospitalar. A atividade foi anteriormente reconhecida como a mais ampla operação colaborativa de Busca e Resgate da América Latina.

No período do desastre, Silvio Monteiro Júnior, um Coronel aposentado, que servia como líder da D-SAR, uma divisão de Busca e Salvamento do DECEA, detalha em sua obra “Voo Air France 447: desvendando o maior sinistro aéreo do Brasil” a relevância de entender que um incidente dessa magnitude além de acarretar a tristeza pela perda, também resulta na geração de aprendizados valiosos. “Certas consequências foram imediatas, enquanto outras levaram anos para serem percebidas e implementadas. No total, a BEA listou 41 recomendações de segurança, envolvendo várias entidades e nações.”

Incluída estava a inclusão de treinamentos em simuladores aéreos para enfrentar circunstâncias parecidas com as que a equipe do AF447 experimentou nos esquemas de treinamento das companhias de aviação. As políticas para a troca do piloto do avião foram reavaliadas; o acionamento do localizador ELT foi melhorado; e o design dos tubos de pitot usados pela aeronave acidentada foi banido.

A partir de seu ponto de vista, Silvio compartilha o esforço intenso dos times envolvidos nas ações. “Presenciei diversos desastres antes, entretanto, nenhum deles envolvia 228 pessoas. Nenhum era arrastado pelos mares, à mercê das ondulações no coração do oceano. Nenhum congregou tantos meios de comunicação, tantos líderes, nacionais e estrangeiros (…) conceber o acidente como o desastre colossal que foi, como um manancial de tormento e desespero para as famílias que aí perderam seus amados, infelizmente não os ressuscitará. O que consegui desenvolver é reconhecer, em cada calamidade que experienciei, a chance de que elas contribuam para impedir futuros desastres.”

O Major Aéreo Kayo Coelho Sant’Anna, que atualmente serve como ajudante do D-SAR, percebe como o acidente do voo AF447 incitou um progresso na atividade de Busca e Resgate. “Os aprendizados obtidos foram e continuam sendo transmitidos para as gerações futuras em nossos cursos de treinamento. As sugestões resultantes do acidente conduziram à implementação de novas doutrinas e tecnologias; a amplificação da colaboração com a Marinha Brasileira para treinamentos mútuos tanto em termos de planejamento de missões quanto em operações; a compra de bóias de marcação para medir com mais precisão as correntes oceânicas, permitindo um planejamento de busca mais eficaz; a evolução da doutrina de buscas com o uso de óculos de visão noturna; entre muitos outros aspectos. “

Para a autoridade, o progresso constante de uma atividade como essa é demonstrado no legado dos conhecimentos de seus especialistas. “Preservamos a lembrança deste incidente em busca do aperfeiçoamento contínuo de nossas iniciativas e do Sistema Brasileiro de Busca e Resgate Aeronáutico.”

Passados quinze anos, o efeito do AF447 resultou em um sistema de voo mais sólido e resistente. O exame detalhado das razões para o desastre levou à adoção de estratégias inovadoras. Portanto, a tragédia atuou como um estímulo para a transformação, instigando o setor a explorar novos procedimentos para evitar desastres e assegurar a proteção de todas as pessoas que viajam de avião.

Ao prestar tributo aos afetados por este incidente, destacamos igualmente a determinação de toda a comunidade de aviação em perseguir um porvir mais protegido para todos. A recordação do voo AF447 será continuamente um aviso da relevância da cooperação global, do aprendizado constante e da importância da cultura da segurança no setor aéreo.

Dados fornecidos pelo DECEA

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